O Congresso de homens brancos do Brasil em 10 facetas

Plenário da Câmara lotado na eleição da Mesa: mais de 60% dos eleitos são homens brancos (Foto: Cleia Viana / Câmara dos Deputados – 03/02/2021)

Cotas e incentivos provocam impacto pequeno na representação de mulheres e negros: Legislativo repete desigualdades da sociedade

Por Oscar Valporto | ODS 10ODS 5 • Publicada em 14 de outubro de 2022 - 09:50 • Atualizada em 25 de novembro de 2023 - 20:22

Plenário da Câmara lotado na eleição da Mesa: mais de 60% dos eleitos são homens brancos (Foto: Cleia Viana / Câmara dos Deputados – 03/02/2021)

Nos últimos anos, foram registradas iniciativas para aumentar a participação de mulheres e negros na política partidária: 30% do Fundo Especial para Financiamento de Campanha (Fundo Eleitoral) destinado a candidatas mulheres, regra estabelecida em 2018; mesmo percentual em relação ao tempo na propaganda eleitoral gratuita no rádio e na TV, em 2019; cota de 30% do Fundo Eleitoral e do tempo de propaganda também para candidatos negros, em 2020; votos dados a candidatas mulheres e a pessoas negras contados em dobro para a distribuição dos recursos dos fundos partidário e eleitoral, em 2021. Essas mudanças, entretanto, provocaram impacto mínimo: na Câmara dos Deputados, que foi inteiramente renovada na eleição de 2 de outubro, os homens brancos vão ocupar mais de 60% das cadeiras.

A sub-representação de mulheres e negros, causa das iniciativas da Justiça e do Legislativo, permaneceu após o pleito. A representação feminina na Câmara aumentou só 18% – de 77 eleitas em 2018 para 91 em 2022; as mulheres, que são mais de 50% do eleitorado e da população, ocupam 17,7% das cadeiras na Casa Legislativa. O número de negros eleitos (autodeclarados pretos ou pardos) aumentou apenas 9% – de 123 para 134) – apesar de a Justiça Eleitoral ter registrado um recorde de candidaturas negras. “O resultado indica houve um avanço mas não na medidas que gostaríamos. É necessário aperfeiçoar realmente a distribuição dos recursos”, analisou a advogada Roberta Eugênio, co-diretora do Instituto Alziras, em debate promovido pela Oxfam Brasil sobre raça e gênero na política com o balanço das eleições.

A visão foi compartilhada pelo sociólogo João Feres Júnior, professor de ciência política do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP-UERJ). “As cotas são importantes, mas é preciso ampliar a discussão sobre o financiamento das campanhas, que, como estão cada vez mais curtas, dificultam a renovação. A maior injustiça da democracia contemporânea é a possibilidade de transformar poder econômico em poder político. E isso acentua a desigualdade de raça e também de gênero”, destacou o professor. “Tivemos pontos positivos e até históricos para mulheres e negros, inclusive nas assembleias legislativas, mas ainda aquém dos esperados”, acrescentou Roberta Eugênio.

Listamos aqui 10 facetas do novo Congresso, com base, principalmente, no resultado para a Câmara dos Deputados.

1. O domínio dos brancos – Dos 513 eleitos para a Câmara, 311 são homens brancos – o que representa 61% da composição da Casa. De acordo com dados do IBGE, de 2019, os homens brancos são apenas 20% da população.

Evolução da bancada feminina (Arte: Agência Câmara)
Evolução da bancada feminina (Arte: Agência Câmara)

2 – Avanço feminino em ritmo lento – O número de deputadas federais mulheres subiu de 77 em 2018 para 91 para 2022, um aumento de 15%. Pela primeira vez, foram eleitas duas mulheres trans. Mas, de 2014 para 2018, o crescimento da bancada feminina havia sido maior: de 50%, pulando de 51 para 77. No Senado, onde a renovação foi de um terço das cadeiras, a representação feminina caiu de 12 para 10.

3 – A força das mulheres negras – O número de deputadas negras (autodeclaradas pretas ou pardas) eleitas mais do que dobrou em 2022, saltando de 13 em 2018 para 29 (aumento de 123%). Com a eleição também de quatro mulheres indígenas (Célia Xakriabá, Sônia Guajajara, Silvia Waiãpi e Juliana Cardoso), o número de mulheres brancas caiu de 63 em 2018 para 58 em 2022.

Maioria branca na Câmara dos Deputados (Arte: Agência Câmara)
Maioria branca na Câmara dos Deputados (Arte: Agência Câmara)

4 – Recorde de candidaturas negras, crescimento pífio nas urnas – Apesar de a Justiça Eleitoral ter registrado um aumento de 36,25% das candidaturas de pretos e pardos para a Câmara dos Deputados em 2022, o número de eleitos autodeclarados cresceu apenas 8,94%: foram 123 (102 pardos e 21 pretos) em 2018 e 134 (107 pardos e 27 pretos) agora. Reportagem do G1 constatou também que 19 deputados reeleitos que se autodeclararam brancos nas eleições de 2018 mudaram registro para pardos em 2022.

5O peso dos evangélicos – Lideranças políticas evangélicas tinham como meta chegar a 30% dos eleitos para a Câmara – próximo ao percentual da população. Cálculos do pesquisador Guilherme Galvão Lopes, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), entretanto, mostram que o objetivo não será alcançado: em 2018, foram eleitos 84 parlamentares evangélicos; a estimativa em 2022 ficou, entre 60 e 65. As lideranças evangélicas calculam em 20% o número de parlamentares de variadas denominações eleitos para a Câmara. Com qualquer número, as pautas conservadores e de costumes, entretanto, deverão ser reforçadas por bolsonaristas de diversas matizes, inclusive muitos católicos.

6 – A nova bancada da bala – De acordo com levantamento da Ponte Jornalismo, o Congresso aumentou em 30% o número de cadeiras para integrantes provenientes das forças de segurança pública. A Bancada da Bala, como é conhecida a frente de parlamentares dessa categoria, foi de 25, em 2018, para 37 nas eleições de 2022 (sem contar integrantes das Forças Armadas). A reportagem aponta também que a nova bancada da bala é mais midiática e ideológica e menos corporativa.

7 – O poder dos ruralistas – Dos 241 integrantes da Frente Parlamentar da Agropecuária, a face institucional da bancada ruralista na Câmara dos Deputados, 135 (56%) se reelegeram, de acordo com levantamento de Bruno Stankevicius Bassi, coordenador de pesquisas do observatório De Olho nos Ruralistas. Mas o pesquisador alerta que muitos novos potenciais integrantes da bancada conquistaram lugares na Casa.

8 – Com anel de doutor – Há mais um dado para reforçar como o Congresso não espelha a população: nas eleições, 426 (83%) dos 513 eleitos para a Câmara dos Deputados informaram ao TSE ter o ensino superior completo. Na população brasileira, essa porcentagem fica abaixo de 10%.

9 – Homens, brancos e milionáriosLevantamento do Estado de S. Paulo mostra, com base na declaração de bens ao TSE, que o patrimônio médio dos eleitos para a Câmara dos Deputados é de R$ 2,6 milhões. E 37% dos eleitos declararam ter patrimônio acima de R$ 1 milhão

10 – Renovação em baixa – Com as campanhas eleitorais cada vez mais curtas e o maior controle de verbas do Orçamento pelos parlamentares, o índice de renovação na Câmara dos Deputados em 2022 caiu em relação ao registrado em 2018: a porcentagem teve queda de 43,37% para 39,47.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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